Começo a escrever este texto com um sorriso no rosto e uma sensação prazerosa de curiosidade para saber quem é a pessoa que está aí do outro lado me lendo agora. Muitas perguntas me vêm à mente: será que temos gostos e interesses em comum? Quais seriam seus sonhos e desafios? Será que temos algo a aprender um com o outro?
A grande verdade é que a mágica das conexões humanas só pode acontecer quando estamos abertos, receptivos e dispostos a abrir um espaço para o outro em nossas vidas. Algumas pessoas irão passar muito rápido por nós, outras, no entanto, irão criar raízes mais profundas conosco por um longo tempo. É muito difícil mensurar de antemão o impacto que uma pessoa pode nos causar através desses encontros inesperados que o universo nos proporciona. Confesso que só comecei a ficar mais atenta sobre o mistério dos relacionamentos que atraímos depois que comecei a estudar a psicologia analítica de Carl G. Jung, especialmente em relação ao que ele fala sobre o conceito de “sincronicidade” que vem a ser a caracterização de um princípio que explica a relação entre acontecimentos aparentemente desconexos, criando, assim, uma “coincidência significativa”. Wolfgang Pauli (1900-1958), possuidor do prêmio Nobel em física, acredita que a sincronicidade é uma das expressões que definem o “Unus Mundus”. Esse termo, criado pelos antigos alquimistas, remonta à ideia de uma realidade unificada da qual emerge e retorna toda a existência – a totalidade do universo, um mistério do qual todos participamos.
Quando li sobre isso pela primeira vez, logo comecei a transportar esse conceito para o universo dos meus relacionamentos. Lembrei-me de que as pessoas mais importantes haviam surgido por “coincidência”, de uma forma totalmente inesperada, de tal modo que eu jamais poderia prever a imensa relevância que elas viriam a ter para mim. Quando essa “ficha” caiu, o meu olhar mudou radicalmente. As minhas perguntas mudaram e o meu nível de interesse sobre o outro mudou. E como vida é relacionamento, tudo enfim mudou. Hoje, quando encontro alguém, busco primeiramente “sentir” a sua presença, a sua energia, o que ele(a) me passa. A partir dessa percepção inicial, procuro buscar o seu olhar (concordo quando dizem que os olhos são a janela para a alma). Se a simples troca de olhares me despertar um interesse real e genuíno, então começo a me fazer aquelas perguntas que citei no início deste texto. Isso já provoca em mim uma sensação de abertura, como se uma porta estivesse sendo aberta para que o outro pudesse entrar. A partir daí, uma verdadeira dança poderá ter início e sabe-se lá aonde isso irá parar. E como é impossível prever como tudo irá se desenrolar, então o melhor é deixar fluir, sem tentar ficar controlando e deixar que a “química” desse relacionamento se apresente – se é que você me entende. Muitas vezes, em um primeiro momento, não sentimos nenhum interesse maior pelo outro, apenas uma troca rápida de palavras e gentilezas, nada além disso.
Eu me lembro de situações nas quais me fechei totalmente para o outro, demorando muito tempo para perceber que aquela pessoa era muito mais do que eu havia percebido a princípio. Por conta disso, acredito que esse ponto merece atenção e dedicação especial de nossa parte. Podemos ficar mais atentos às atitudes iniciais que geram desconexão, afastamento ou frieza. E buscar colocar em prática pequenos gestos que promovem conexão e empatia. Então, arrisco fazer uma proposta ousada para você (e para mim também, claro!). Que tal da próxima vez em que você esbarrar em alguém por aí, fazer o seguinte: criar um espaço de abertura e conexão com o outro, seja ele quem for ou como for? Se permitir ir além das aparências e se deixar surpreender, como seria? Que tal expressar um sorriso acolhedor, como se disséssemos: “Eu vejo você”? Procurar emanar o melhor da nossa energia, como se desejássemos: “Tudo de melhor para você!”. Talvez isso, apenas isso, já seria suficiente para tornar o meu dia – e o dia do outro – bem melhor. Melhor ainda se pudermos dizer algo de bom, como: “Como vai você?” ou “Te desejo um ótimo dia”. Derrubar as barreiras que afastam o outro pode ser tão simples e não custa tentar, não é mesmo?!
Através dos relacionamentos, podemos ganhar novas perspectivas sobre a vida, sobre o ser humano ou sobre o universo. Abrir-se para o diferente pode trazer possibilidades que nos levam além dos nossos pequenos quadrados interiores, possibilitando ampliar o nosso olhar. Podemos nos inspirar em exemplos e vivências completamente distintos dos nossos, experiências que provavelmente jamais viveríamos, mas podemos aprender através das lentes de outra pessoa.
Descobrir como se colocar no lugar de uma outra pessoa também pode nos levar a um enorme salto de consciência. A essa virtude chamamos de empatia – a busca por perceber e compreender suas intenções, desejos e motivações do outro. Pessoas atentas às necessidades do outro oferecem ajuda porque realmente se importam com seus dilemas ou dores. Entender um universo que não é o nosso requer boas doses de mente aberta, não julgamento, e compaixão. Como disse Clarice Lispector: Antes de julgar a minha vida ou o meu caráter, calce os meus sapatos e percorra o caminho que eu percorri, viva as minhas tristezas, as minhas dúvidas e as minhas alegrias. Percorra os anos que eu percorri, tropece onde eu tropecei e levante-se assim como eu fiz. E então, só aí poderás julgar. Cada um tem a sua própria história. Não compare a sua vida com a dos outros. Você não sabe como foi o caminho que eles tiveram que trilhar na vida.
É importante, porém, esclarecer que criar espaços de acolhimento para o outro, nem sempre são fáceis, confesso. Isso pode acontecer porque algumas vezes o outro pode funcionar como uma espécie de “espelho” das nossas partes mais feias e indesejáveis, e isso pode nos causar um enorme desconforto. Tem gente que iria dizer: “O meu santo não bateu com o dele”. Mas se nós perguntássemos para Jung, ele responderia com um sorriso enigmático: “Talvez vocês tenham aspectos similares, porém inconscientes”. Ou seja, o nosso inconsciente “se projeta” no outro – nos conteúdos semelhantes que rejeitamos –, nos ajudando, assim, a enxergar as partes de nós que precisam ser reconhecidas, curadas e integradas na consciência (aqui já adentramos outra parte da teoria junguiana, que é denominada como a “sombra” na psique humana). Somente esse tema já daria conversa para um livro inteiro, com direito a surtos, protestos e reações inesperadas (risos). Digo isso porque, quando a nossa sombra é tocada de alguma forma, a tendência é que ela queira vir à tona, custe o que custar, da pior forma possível. Elas representam tudo aquilo que escondemos ou reprimimos algum dia porque precisávamos nos adaptar socialmente e queríamos ser aceitos. Essas partes sombrias ficam presas nos porões do nosso inconsciente por muito tempo, paralisam nosso desenvolvimento e não veem a hora de sair. Por isso é que, quando saem, são abruptas demais, por vezes até agressivas ou dramáticas ao extremo. Porém, integrar esses aspectos em nossas vidas é de fundamental importância para o nosso amadurecimento e lapidação interna.
Bem, a essa altura você já deve ter percebido a profundidade que os relacionamentos podem chegar e o quanto eles podem nos ajudar em nossa jornada evolutiva. Sim, um relacionamento pode ser bastante desafiador, mas é exatamente por isso que ele tem um enorme potencial transformador. O nosso mundo interno se reflete em nossos relacionamentos. Através do outro, podemos ser chacoalhados, nossas certezas serão questionadas, nossos valores podem desmoronar. E a partir disso vamos nos desnudando, nos conhecendo mais e, principalmente, nos resgatando e reencontrando o ser que realmente somos.
Durante esse processo, a nossa bússola interna vai se ajustando, nossas virtudes e forças vão sendo despertadas e, de repente, já não somos mais os mesmos, mas provavelmente nos tornamos melhores. Aprendemos a navegar por uma realidade mais realista e madura, conscientes das nossas necessidades e dos nossos pontos de melhoria, bem como das necessidades do outro e de suas vulnerabilidades. O amadurecimento que podemos abarcar nesta jornada chamada vida certamente terá muita participação do outro, ou melhor, de muitos outros. Encontraremos muitos espelhos e muitos mestres ao longo do caminho. Seremos chamados inúmeras vezes para a aventura de se abrir, se mostrar e se deixar tocar – e quem sabe, também, se transformar a partir de tudo isso. Finalizo esta conversa com um convite sagrado: que nossos relacionamentos possam ser um espaço privilegiado de afeto, troca, inspiração, aceitação do diferente e resgate da nossa verdade. Eu vejo você!
Kátia Bueno
Master coach & terapeuta integrativa
Obs.: texto escrito originalmente para o livro CONECTAR PARA TRANSFORMAR – editora CONQUISTA.